sábado, 13 de março de 2010

Além da leitura das palavras

Uma visão muito interessante e peculiar concernente à leitura está traduzida em palavras de Paulo Freire no livro A importância do ato de ler. Além de usar expressões que lhe são muito próprias, esta importante figura nacional vai além dos conceitos óbvios desta ação.

Citar Freire já é em si uma responsabilidade por se tratar de um educador que atuou de forma muito significativa no letramento do país, prioritariamente em áreas periféricas para uma parte da população analfabeta de adultos com baixa renda. Sua missão sempre foi um desafio. E propor um novo método – revolucionário – de alfabetização, que incitava a consciência política (de esquerda), foi realmente uma grande ousadia. Ousadia esta que lhe rendeu sua perseguição, prisão e exílio na época do regime militar no Brasil.
           
Sobre leitura, assim disse, o educador:

(...) que não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto (...).
Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz.
Com ela (Eunice), a leitura da palavra, da frase, da sentença, jamais significou uma ruptura com a “leitura” do mundo. Com ela, a leitura da palavra foi a leitura da “palavramundo”.
Refiro-me que a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele. Na proposta a que me referi acima, este movimento do mundo está sempre presente. Movimento em que a palavra dita flui do mundo mesmo através da leitura que dele fazemos.

Ou seja, este conceito de leitura transcende o ato que envolveria somente o olhar e traduzir as informações de um texto exclusivamente escrito; vai além da leitura da imagem das letras e seus sentidos. A possibilidade de "ler o mundo" amplia o horizonte de perceber a nossa capacidade de considerar e internalizar todos os dados que estão à nossa volta. Essa proposta se torna ainda maior por suscitar implicações de posicionamento opinativo. Mais especificamente de assumir uma postura política, não isenta.

Como pedagogo, Paulo Freire não só promoveu a possibilidade de letramento de muitos analfabetos no país – permitindo o acesso à leitura e a inserção destas pessoas a um mundo do qual muitos são excluídos –, mas também fomentou a reflexão crítica da leitura do mundo, afinal, para ele, todo ato de educação é um ato político.

Refletindo sobre os seus ideais (sem alusões diretas ao marxismo que ele defendia), é importante ressaltar a preocupação que existe (ou deveria existir) por parte de quem tem a responsabilidade de promover a educação e a leitura no nosso país. Educação e leitura que promovam cidadãos cada vez mais conscientes e críticos.

Até!

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